terça-feira, dezembro 19, 2006

(Francisco Goya - Saturn Eating Cronus).


Passa (o) tempo.


Trabalhei um pensamento
Para criar um instante
Que me fosse eterno.

De nada serviu tanto empenho
Se quando desisti
Descobri no silêncio:

A eternidade das coisas
Não dura mais
Que o atual momento.

Eliane Alcântara.

(Vincent Van Gogh)
Alfa e Omega.

Poeticamente invadida pela terra remexida
Sinto raízes em minha mente – colchão de sonhos.

E vazo com elas a ternura dos girassóis
A parir o miolo em sementes.

Donde vem o vento sinalizo esperança
E me cresce chuva nos pensamentos.

Encharcada renasço poema, meu samba florido
Nas asas férteis de uma borboleta encanto.

Meu poeta, fonema gráfico, brinca no quintal
As cores de meu poema, liberto pincel pássaro.

Poeticamente frutífera afundo-me fêmea
Nos galhos folhas do tempo e encaixo a estrofe final:

Ele tem cheiro de flores, terra molhada, prazer animal.
Faz versos em mim do nascer ao poente do viver.

Eliane Alcântara.

segunda-feira, dezembro 18, 2006

Ótica.

De tão clara
A luz se fez Poesia
E as trevas
Intervalo dos meus olhos
Desenharam o Poema
Para que a vida
Tivesse filhos
E em mim
Os versos que gritam
Não fossem órfãos.

Eliane Alcântara.
Românticos.

Atiro-me desvairada em ti
E concedo-nos o céu a morder lençóis
Liberando gemidos, desencravando desejos,
Sinalizando a ordem do dia eterno ato
Quando tu encaixas meus sinais aos anseios teus
E somos fantasias de nós dois.

Infiltra-me com teus amores, odores
E doce é teu gosto a persuadir-me tua fêmea,
Domada criatura exposta em carícias
Sem receios, conceitos ou temores.
Teus lábios destilam-me o corpo
E veneno antes perigo preso em olhares
Escorro doce sentença ao teu prazer,
Úmido delírio das pernas trêmulas
Ao teu arfar soberano em minhas coxas
Entregues a tua língua suave a percorrê-las.

Em brasa ardo eu, ardes tu, ardemos,
Rejuvenescemos, desfalecemos, reiniciamos,
Inventamos palavras, traçamos o contorno dos deuses,
Vulcões, abissais recônditos coroados de amor/tesão
E tudo na selvageria de sermos homem e mulher,
Anjos desnudos na mais pura condição dos amantes.

Eliane Alcântara.
(Wolf Kahn).

Curiosidade.

Foi perdendo o medo
De abrir minhas cortinas
Que vi flores e borboletas
Na transparência do novo dia.

Eliane Alcântara.

sábado, dezembro 16, 2006

(Klimt, Gustav - Autriche, 1862 -1918).

Castigo.

Não quero caçar leão
Ou fazer das tripas coração
Para alcançar dele a compaixão.
Amor que rasteja não serve
A todo aquele que almeja
Mais do que fogo de palha no colchão.

Não vou pensar ilusão
Bater a porta e armar confusão,
Ah, mas também não deixo não
Que outra sem paixão
Agarre minha doce perdição.
Não vou fazer das tripas coração,
Mas bem posso amar com as mãos
E escrever os versos que ele não imagina
E para SEMPRE acorrentá-lo
Dentro da solidão.
Não preciso alardes,
Gritos ou punições,
Poeta que sou posso dar a ele
Eternas noites geladas sem fim
Para que saiba que brincar com fogo
É assinar sentença de desilusão.
Mais vale um pássaro na mão
Sem grades, por livre vontade
Do que o mundo sem motivação.
E a ele, pássaro errante,
Só há de restar a lição
De que mais vale amar e ser amado
Do que magoar a quem inocente
Ousou caminhar além da paixão.
Eliane Alcântara.

(Cellophaned de Lempicka)
Dor de poeta.
O que me dói não faz passeata
No coração daquele que amo.
O que me dói, dói no fundo
Aonde só entra a noite
Com seus mistérios partilhados.
O que me dói
É a verdade de amar.
Por isso sou escuro silêncio
Mesmo quando há tanta claridade
A despencar do meu olhar.
Eliane Alcântara.
(Imagem de Carmen Manno).
Desespero aquático.
Parece que brinco com a metade da chuva em mim
E os pés, enlameados, pesam os pensamentos leves.
Não me assusta a noite de ontem e a de hoje nada me é
Mais do que foram tantas espalhadas na nudez do viver.
Um tanto de mim grita as paredes o silêncio do peito
E fora sorri a mulher vestida de dores em seu reino.
Inocente, a fogueira nos olhos reclama lençóis desfeitos,
Sonho fugidio, mochila aberta sem o cheiro dele.
Analiso o tempo de parir a alma e recolho sementes
Do que talvez um dia seja o agora disfarçado de presente.
O que faz da ausência o meu jeito pranteio sem medo
E dona de nada, molho telepaticamente o ausente.
Dói mais em mim do que nele essa lâmina infiltrada
No que de nós ressurge quando choro e deságuo a linha
Do querer ser a única flor a colorir sua estrada estrelada,
Por mim idolatrada, parte esquecimento, forma de ser água.
Parece que brinco comigo e molhada chovo a que sou
Na encosta de um tempo anuviado na permanência de meus anseios.
Parece que brinco e permaneço, porém não fluida, morro,
Alagada e pesada tempestade, acorrentada à palavra saudade.
Eliane Alcântara.